Incerteza, acaso, imprevistos: a influência em nossas vidas e na vida das empresas.

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(*) Mário Sérgio Ribeiro

 

Você consegue recorrer a sua base histórica, armazenada nos rincões de sua memória e recuperar a informação de quantas vezes o Acaso esteve presente em sua vida pessoal, seja para o bem ou para o mal? Quantas vezes a Incerteza tomou conta de sua vida e a vida das empresas em que trabalhou ou trabalha, quando decisões precisavam ser tomadas? Percebeu que a cada dia que passa, novas “surpresas” vão acontecendo, quantos imprevistos, o que não existia, passa a existir, que nossas previsões não conseguem ser mais tão assertivas como tempos atrás?  

 

Provavelmente irá se surpreender com o número de ocorrências. Elas certamente são maiores do que você imaginava. Quantos acasos nos levaram a inúmeras descobertas, quantas incertezas levaram empresas e até nações a tomarem decisões erradas. Quanta suposta subjetividade parecia existir na probabilidade, na chance de algo ocorrer, e, muitas vezes de forma até negligenciadora, fizemos a coisa errada. Vamos explorar essa temática.

 

De uma maneira geral somos orientados desde criancinha a trilhar uma vida dentro de padrões, de regras, e dentro do possível, tocas a vida de uma forma planejada. O padrão e o planejado gostam de andar de mãos dadas com a certeza, daquilo que podemos prever e que de fato vai acontecer. Adoramos quando podemos prever, e mais ainda quando acertamos as previsões, mas detestamos a incerteza. Somos contextualizados a não tolerar a incerteza e por conta disso, geralmente a colocamos de lado, mas temos conosco, mesmo de forma subliminar, que ela existe. Com o Acaso a mesma coisa, mas se for para o lado bom, torcemos para que ele sempre apareça.

 

Ocorridos fora do planejado podem ser exemplos interessantes. Vejam o que ocorreu com essas empresas:

·         A Coca-Cola começou como um produto farmacêutico;

·         A Tiffany & Co, hoje famosa por suas joias, começou como uma loja de artigos de papelaria;

·         A Nokia,que já foi a maior fabricante de telefones celulares, teve início como uma fábrica de papel e em algum momento chegaram a fabricar sapatos de borracha;

·         A DuPont, hoje com uma infinidade de produtos, mas famosa por suas panelas antiaderentes de teflon, lançou-se como uma empresa de explosivos;

·         A Avon, empresa de cosméticos, começou com a venda porta a porta de livros.

 

O que não é esperado, planejado, que pode ser trazido por uma situação, um evento aleatório qualquer, pode ter o seu lado bom, como também um lado ruim. Cada uma dessas empresas citadas tem em sua história de mudança, o que parecia ser certo por seu planejamento estratégico inicial, mostrou-se errôneo no decorrer do tempo, e o sucesso ocorreu de outra forma.

 

Se você for conversar com pessoas idosas, ainda vivas, acima dos 80 anos, constatará que a vida era mais fácil, podemos dizer bem mais previsível. Converso muito com minha mãe que tem 98 anos, nascida, portanto, em 1919. Nasceu logo após o final da primeira guerra e passou por diversas transformações que aconteceram no mundo ao longo desse quase um século.

 

Ela fala que a grande maioria das coisas que você planejava fazer para sua vida, a maioria ocorria sem muitos solavancos, mas ocorriam. Os ruídos ou sinais que porventura aconteciam no percurso, eram possíveis de serem percebidos e se podia ajeitar o curso das coisas. Muitas pessoas se aposentavam naquele que era o seu primeiro emprego. Havia certa estabilização, havia menos incertezas, a vida provavelmente era mais fácil de se levar.

 

Hoje a coisa é bem diferente. Se olharmos o universo que gira em torno de nossas vidas e da vida das empresas percebemos que as variáveis desse enorme sistema são quase que infindáveis. Com tantas variáveis e poucas constantes, nossas incertezas se acumulam e como! Corajoso aquele que realiza previsões, sejam elas quais forem nos dias atuais. A chance de acertar na mosca é quase que nenhuma, mas a possibilidade de fazer previsões é parte do ser humano.

 

Nessa linha que estamos tratando poderíamos pensar em o que devemos fazer, ou o que podemos fazer para reduzir as incertezas que nos cercam? Como podemos tornar um pouco mais certa tanta coisa incerta? E o acaso, o aleatório, como podemos nos proteger de sua aparição?

 

Para as incertezas você quase sempre tem a possibilidade de decidir. As incertezas obriga você a trabalhar com a chance de que algo possa acontecer e que possa trazer impactos positivos ou negativos, claro, dependendo do contexto que esteja avaliando. A ideia é encontrar esse grau de incerteza e tentar reduzi-lo. Um bom método de procurar reduzir esse grau de incerteza é utilizar componentes do gerenciamento de risco.

 

Em minhas aulas e palestras sobre Risco costumo usar um exemplo da vida das pessoas para ajudar no entendimento dos conceitos que estamos aqui tratando. Vamos a um caso, muito comum por sinal nos dias atuais.

Suponhamos que um indivíduo esteja em um bar com amigos e começa a ingerir bebida alcoólica, ultrapassando facilmente os limites definidos na Lei de trânsito. Analisemos duas hipóteses nesse caso. Uma primeira, na qual o risco é evitado (elimina-se as incertezas) e a outra hipótese, o risco é assumido (assumem-se as incertezas e os possíveis impactos):

 

Hipótese1: Ele está sem carro próprio. Em uma primeira situação, esse indivíduo saiu de casa deliberadamente sem carro, pois sabia que iria a um bar e iria beber acima do permitido. Voltaria de taxi ou pegaria carona com algum amigo que estivesse de carro, mas que não havia bebido. Ele retirou suas incertezas, reduzindo-as a zero com essas ações preventivas, evitando o risco de dirigir seu carro alcoolizado e assumir riscos deliberadamente.

 

Hipótese 2: Ele está de carro próprio. Saiu de casa de carro sabendo que iria a um bar e que beberia, certamente acima do permitido por Lei. Foi o que ocorreu: bebeu bem acima do permitido. Sua dúvida, sua incerteza é: pego o carro e assumo todos os riscos decorrentes ou evito os mesmos riscos pegando um taxi, ou solicitando a um amigo que não bebeu que leve o meu carro. O que fazer?

 

Interessante verificarmos que se olharmos as situações sobre a ótica do risco, fica mais fácil tratar das incertezas que nos cercam. Claro que na situação colocada acima, atuar preventivamente indo de táxi, eu evito o risco e elimino qualquer incerteza. Agora, quando eu assumo as consequências do risco pegando o carro alcoolizado, minhas incertezas permanecem até estacionar o carro na garagem de casa.

 

No trajeto do bar até sua residência o indivíduo está sujeito a todas as variáveis do risco que assumiu: das incertezas, dos acasos, da aleatoriedade. Assume o indivíduo para si que está bem para dirigir, que não haverá blitz, que ninguém estará atravessando uma rua quando ele virar a esquina… e por aí vai. Então, qual a melhor decisão, ou quem sabe, a única?

 

E se na vida de nós próprios mortais a vida é repleta de incertezas e riscos, não é diferente para as empresas. Certamente toda decisão tomada no ambiente empresarial vem imbuída de uma série de incertezas, mas que, provavelmente antes de tomá-la, deve se procurar reduzi-la a um mínimo tolerável, buscando a certeza da melhor decisão.

 

No ambiente empresarial, muito mais do que na vida da maioria dos indivíduos, o uso da prática do risco como elemento mitigador de incertezas e busca cada vez mais de decisões assertivas nos dias atuais, soa como elemento de sobrevivência. E também aqui, acaso, aleatoriedade, volatilidade “ajudam” a temperar ainda mais o contexto.

 

Em uma sociedade minada de informações para todos os lados e cada vez mais com sistemas extremamente complexos e dependentes de inúmeras variáveis, as empresas tem lançado mão de todo o aparato tecnológico e não tecnológico para reduzir suas incertezas. Adotar a prática da gestão do risco passa a ser uma obrigatoriedade na maioria delas, em dias e cenários cada vez mais turbulentos.

 

Para finalizar esse artigo compartilho com vocês o que ocorreu em uma recente apresentação que fiz sobre a Gestão da Continuidade de Negócios. Um participante perguntou o porquê da empresa dele ter que elaborar e implantar um Plano desse se, até aquele momento, nunca havia ocorrido nenhum evento de magnitude que pudesse paralisar suas operações e que ele também não via indício de ocorrer no futuro? Disse que ficava contente em poder responder essa pergunta e vamos a um resumo dela abaixo:

 

Eu e você sabemos que se elabora e implanta-se um Plano de Continuidade de Negócios (PCN) para não sermos surpreendidos por eventos que possam paralisar o negócio. Sabemos também que esses eventos podem ter, desde baixa até alta chance de ocorrência, e seus impactos podem levar uma empresa a parar de operar. Procuramos ter um tratamento preventivo para nossas inúmeras incertezas e preservar o negócio. Incertezas essas alinhadas às incontáveis ameaças que rondam o negócio. No ambiente empresarial podemos ter uma lista de riscos operacionais que passam facilmente de mais de cem ameaças. Vamos pegar uma boa: um incêndio.

 

Como está a instalação elétrica da empresa? E se for condomínio, como está a instalação do condomínio e a do seu vizinho? Ah, mas não temos nada a ver com o condomínio, com o vizinho. Ok, mas se tiver problemas ali, a ameaça pega a todos, e pode ser uma vez só, como no caso do incêndio. Então, mesmo que nunca tenha ocorrido, e oxalá sempre torcemos para nunca ocorrer, não quer dizer que não vai ocorrer. E se porventura ocorrer, a empresa não descontinua, pois tem um tratamento a esse risco que atende pelo nome de PCN. Lembrando: você faz um Plano desse para não ter que usar mesmo, mas, se aparecer a Crise, ele está ali!

 

Essas e outras infinidades de incertezas, normais em sistemas cada vez mais complexos, como foram mencionadas ao longo desse artigo, nos faz repensar a forma que pensamos e agimos sobre elas. Não conseguimos evitar ou reduzir todas que queremos, mas podemos priorizar quanto à criticidade de suas consequências e adotar medidas que tragam mais certezas do que incertezas.

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(*) 58 anos, engenheiro, mestre em segurança da informação pela USP. Sócio da ENIGMA Consultoria. Professor da FIA-USP e da ANBIMA. E-mail: mario.ribeiro@enigmaconsultoria.com.br

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