Primo pobre: mas por quê?

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(*) Mário Sérgio Ribeiro

Tanto em minhas consultorias como em minhas aulas costumo fazer a seguinte provocação: …eis aqui Processos, o “primo pobre” do quarteto! A expressão primo pobre pode causar estranheza para alguns, mas trata-se de uma expressão utilizada quando geralmente nos referimos a alguém ou a algo que tenha pouco ou nenhum recurso. E a expressão ganha força em uma boa parte das organizações quando comparamos com outros pilares importantes da empresa como Pessoas, Tecnologia da Informação e até a Infraestrutura. Nesse artigo vou tentar mostrar o quão Processo e sua Gestão são importantes para a organização e que benefícios podem trazer.

 Quando você vai criar uma empresa ou vê uma empresa já montada enxerga que ela tem:

  • Uma instalação (infraestrutura);
  •  Pessoas;
  • Uma Tecnologia da Informação; e
  • Áreas/departamentos, que realizam atividades de negócio, que executam o que chamamos de Processos de Negócios.

 Pois bem. Esse quarteto integrado e atuando em sinergia traz a possibilidade de nossa empresa cumprir sua visão, sua missão, praticar seus valores e atender aos objetivos de seus proprietários e de seu mercado. Sabemos, é claro, que as coisas não são tão simples assim, mas de forma geral, é essa a espinha dorsal.

 Infelizmente, pelo menos para meu entendimento, não é dada a devida atenção a um elemento que considero essencial nisso tudo. Esse cara vocês já sabem, atende pelo nome de Processo. Ok, mas por que isso ocorre?

 Tirando a infraestrutura, que seria outro primo pobre, mas aí olhando mais para a ótica de risco operacional e/ou questões mercadológicas, Processos de negócios e sua Gestão são vistos como algo secundário nas organizações, na grande maioria das vezes, bem atrás de Pessoas e TI. Veja por exemplo, em quantas empresas existe uma área chamada Escritório de Processos? Daí vem o primo pobre, pouca atenção, poucos recursos. Explicar porque isso acontece não é uma tarefa fácil e não é meu objetivo nesse artigo, mas em boa parte de nossas organizações isso é uma realidade.

A compreensão da organização como um todo deve ser responsabilidade de cada um de seus colaboradores. Elaborar uma macrovisão organizacional significa que se rompa com uma antiga e limitada imagem: a de que basta que cada parte cumpra seus objetivos, para que a organização obtenha o que deseja. Infelizmente esse fato constatamos em boa parte das organizações.

 Para que cada um dos colaboradores aja de acordo com o todo da organização, é imprescindível uma macrovisão dos processos organizacionais, ou seja, em um pensamento mais abrangente, que não se detém apenas nas questões e objetos imediatos e que entenda a dinâmica que caracteriza as organizações no mundo contemporâneo. A competição acirrada dos dias atuais praticamente obriga esse pensamento e ação.

Utilizando Michael Porter (Vantagem competitiva das nações, Competição) e seu conceito de cadeia de valor, ela nos ajuda a entender a empresa como um todo e explicita o papel fundamental de qualquer organização produtiva: Agregar Valor. Duas palavras mágicas que dependem de uma série de elementos para dar certo. Entre esses elementos a representação dos processos, sua arquitetura, sua gestão, facilita enormemente sua contribuição a tal Agregação de Valor. De tal forma que posso escrever:

Processos definidos, formalizados e gerenciados => Agregação de Valor ao Negócio

As empresas competem no mercado com outras que oferecem produtos e serviços similares, e a criação de valor de negócio está ligada intimamente à coerência do modelo de negócio ao longo do tempo. Os modelos de negócio formulados, explícita ou implicitamente, são construídos sobre quatro fundamentos: a base de clientes, os benefícios esperados pelos clientes, a arquitetura de processos e as métricas que indicam as receitas geradas por produtos e serviços, à luz do mercado e da concorrência.

O que me interessa discutir nesse artigo são os benefícios de se ter a tal arquitetura de processos e sua gestão devidamente definidas, formalizadas por meio de uma modelagem de processos, de uma ferramenta, de indicadores de desempenho implantados; enfim, uma verdadeira gestão de processos,  colocando esse cara na linha de frente da organização, com o intuito de Agregar Valor ao Negócio, atendendo a sua Cadeia de Valor, como preconiza Porter.

Dentro de cada Processo de Negócio definido, formalizado, com treinamento orientado aos colaboradores, tem a inteligência da empresa em fazer seu negócio cumprir o que deva ser cumprido. Muitas “cabeças” colaboraram e continuam a colaborar para que esses mesmos Processos de Negócio diuturnamente tragam os resultados que a empresa almeja. As Pessoas passam pelas empresas, mas os Processos de negócio permanecem sempre vivos e dispostos a melhorar de forma continuada. Esse é o ciclo.

Então: Gerenciar os processos para que se agregue valor aos negócios da organização passa a ser uma necessidade na acirrada competição que vivemos!

Antes de entrar no cerne desse artigo, falando da gestão e do benefício vou alinhar o Conceito do termo e as Perdas que a falta/falha/gestão do processo podem trazer para a empresa.

CONCEITO

Para alinharmos a ideia, comecemos por definir o conceito de Processo de Negócio. Podemos dizer se tratar de um conjunto de atividades estruturadas e medidas, destinadas a resultar num produto especificado para um determinado cliente ou mercado. É uma estrutura para a ação, o que significa ver a empresa a partir de seus processos é focar mais na ação (a atividade de trabalho) do que na estrutura (as funções, departamentos). Essa percepção, de enxergar na dimensão horizontal (processos) pode transformar funcionários (isto é, aqueles que exercem uma função) em processadores (aqueles que agem em um processo).

PERDAS

Um Processo não existente, que não está formalizadamente definido, que possui lacunas em sua modelagem, que não é realizada melhoria continuada, enfim, com fraquezas, pode e normalmente traz perdas financeiras e não financeiras para a empresa. Certamente você está se lembrando de algum caso em sua vida profissional na qual presenciou um evento dessa natureza. Sim, esses eventos são muito mais comuns do que imaginamos e as perdas podem ser severas.

Essas perdas, conforme sabemos, podem simplificadamente se manifestar de duas formas: Financeira e Não Financeira. A Perda Financeira reflete um numerário que a empresa deverá arcar por conta do fator da perda ter sido identificado em algum Processo. Como exemplo, uma falha na modelagem do processo que não previu uma atividade de checagem de prazo em um dado processo de negócio, trouxe uma multa milionária para a empresa.

E a Perda Não Financeira pode se refletir em vários atributos, mas normalmente os mais utilizados nas empresas são as perdas que podem ocorrer na Imagem e Reputação. Como exemplo, um processo de negócio que envolvia as atividades de um terceiro considerado crítico, não previu a modelagem e gestão de um processo de auditoria das atividades desse Terceiro. Com uma fraude praticada por esse Terceiro, além da Perda Financeira, a empresa viu seu nome envolvido no ilícito praticado por seu Terceiro contratado.

Muitas são as Perdas oriundas da inexistência, da péssima modelagem e/ou da absoluta falta de gestão de processos.

 A GESTÃO DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS (GPN)

Para fazer Gestão podemos utilizar várias metodologias. Uma das mais utilizadas e bem apropriadas nesse caso utiliza o ciclo de Deming, também conhecido como PDCA ou da Melhoria Contínua. Simplificadamente o ciclo PDCA é:

  • P (Plan) – que é a etapa de planejamento de nossa gestão;
  • D (Do) – é a etapa que trata da execução do que planejamos;
  • C (Control) – é a etapa de verificação, medição do que executamos;
  • A (Act) – é a etapa de ação, é a análise do que verificamos, medimos, para a melhoria continuada.

O Planejamento da GPN deve definir as atividades que contribuem para o alcance das metas da organização. Entre algumas atividades devemos atentar para:

  • Entendimento do ambiente externo e interno e a estratégia da organização;
  • Estabelecimento da estratégia, objetivos e abordagens para promoção de mudanças;
  • Estabelecer e manter atualizado o Manual de Processos;
  • Selecionar e priorizar processos;
  • Gerar diretrizes e especificação para o trabalho de modelagem e otimização;
  • Planejar e controlar as atividades necessárias à implantação dos diversos projetos e processos na organização.

Entre algumas observações importantes que faço aqui, a necessidade de apoio da alta administração de considerar a GPN como sendo um dos propósitos estratégicos da empresa é fundamental; pensar que em não fazendo, pode comprometer seu sucesso e sua continuidade.

Complementando o raciocínio anterior, essa atuação direta da alta administração é imperativa, pois na GPN existem ações que cruzam as diversas áreas da empresa, gerando atritos, conflitos de interesses, falta de compreensão das metas que foram propostas.

Na execução, seguindo o modelo PDCA, Modelar e Otimizar os Processos englobam atividades que permitem gerar informações sobre o processo atual (As Is) e/ou a proposta de processo futuro (To Be). As atividades principais que devem ser levadas em conta nessa etapa são:

  • Modelar os processos na situação atual;
  • Quando necessário e possível, comparar o modelo com melhores práticas e benchmarking;
  • Definir e priorizar soluções para os problemas atuais;
  • Modelar os processos na situação futura;
  • Gerar especificações para a implantação, para execução e para o controle.

A etapa seguinte é a Implantação dos Processos. Aqui temos atividades que irão garantir o suporte à implantação e à execução dos processos, tais como:

  • Suportar a implantação de novo processo (quando necessário);
  • Coordenar o ajuste de equipamentos e softwares, se necessário;
  • Coordenar os testes e/ou piloto de solução;
  • Realizar mudanças ou ajustes de curto prazo;
  • Estabelecer critérios de fornecimento de dados para controle e análise dos processos.

A etapa de Controle e Análise dos Processos (C – Control e A – Act, do ciclo PDCA) traz atividades relacionadas ao controle geral do processo, com o uso de indicadores de desempenho, métodos estatísticos, diagrama de causa e efeito, etc. Essa etapa deve ser realizada com todos os critérios possíveis e não deve ser relegada em segundo plano, como costumeiramente acontece. Aqui reside a melhoria continuada e que deve ser objeto preponderante na gestão dos processos.

BENEFÍCIO

A GPN tem inúmeros benefícios, que caberia em um artigo exclusivo, mas vou mencionar dois deles. Um sobre Perdas e outro sobre Otimização de Custos.

O primeiro diz respeito à mitigação de Perdas Financeiras e Não Financeiras por conta da eficaz Modelagem dos Processos e sua Gestão. Essa Modelagem e Gestão mencionadas funcionam como um controle ao risco relacionado a Processos de negócios.

Um segundo benefício é a gestão de processos para a implementação do custeamento baseado em atividades. O custeamento de atividades pode tornar-se uma excelente ferramenta de controle, quando associada à Gestão de Custos por Processo. Nesses tempos cada vez mais bicudos, é fundamental a utilização de relatórios capazes de informar com precisão o valor e tempo sobre os custos de produtos e serviços.

O custeio baseado em atividades (ABC) dentro da gestão por processo consegue ir além do simples cálculo do custo mais próximo da realidade da empresa, pois, ao estabelecer padrões, a gestão por processos:

(a)  Facilita a identificação dos custos e das atividades contidas no processo;

(b)  Facilita o controle das atividades;

(c)  Define requisitos mínimos de conhecimento e treinamento em cada atividade;

(d)  Permite a comparação do desempenho das atividades ao longo do tempo;

(e)  Leva a mudanças na cultura organizacional, criando hábitos para o fornecimento de informações necessárias para a produção de relatórios gerenciais com base em custos.

Dá trabalho implementar o custeamento de atividades incorporando a gestão de custos por processo? Claro que dá! Mas o benefício que é gerado ao entender de forma detalhada onde o custo pode ser melhorado, isto é, otimizado, de tal forma a auxiliar a empresa a prosseguir competitiva no mercado, torna esse processo quase que mandatório nos dias atuais. Pense nisso!

Como conclusão vale reforçar a ideia do quão é importante o gerenciamento dos processos em uma organização. Fazê-lo de forma estruturada, conforme tentamos mostrar nesse artigo, é uma das melhores maneiras de agregar valor ao negócio da empresa.

O que não pode ser esquecido é que os Processos refletem exatamente como a empresa executa suas atividades para atender o seu mercado, e dessa forma, é absolutamente imperativo sua gestão em um ciclo de melhoria contínua. Pensar que são múltiplos os benefícios que uma gestão estruturada de processos traz é uma tarefa que cada empresa precisa encontrar dentro de sua cultura. E aqui, é absolutamente insuficiente se contentar em cumprir com regulamentos/auditorias externas, que restringe a questão em cumprimento de riscos de compliance. Os benefícios vão muito além de riscos de compliance, eles atingem o mercado, as metas da organização, eles devem agregar valor ao negócio!

Até a próxima!

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(*) 56 anos, engenheiro, mestre em segurança da informação pela USP. Sócio da ENIGMA Consultoria. Professor da FIA-USP e da ANBIMA. E-mail: mario.ribeiro@enigmaconsultoria.com.br

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