Como podemos recuperar algo que parece perdido?

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Mário Sérgio Ribeiro (*)

Confesso a vocês que em mais de 30 anos de profissão e com 55 anos de vida indo para 56 nesse ano, nunca, nunca vi tantos maus tratos com a Honestidade, Moral e Ética como nos últimos tempos. E olha que em algumas expertises de meus trabalhos convivo de forma direta e indireta com esses conceitos, mas, mesmo assim, estou boquiaberto. Só se vê fraudes, corrupção, suborno, propina, roubo de informação… Isso tem fim? O que falar para nossos filhos? Como os educadores estão se virando para tentar mostrar que o “outro lado” é o certo? Como pensar em um futuro digno para esse País?

Pensei em enumerar os casos mais cabeludos para reavivar nossa memória e “esquentar” o que quero falar, mas achei desnecessário. São tantos e a imprensa tem batido neles diariamente que nem preciso fazer isso. Vou direto ao ponto tentando responder:

(1) Tem jeito?

(2) O que precisamos dizer para aqueles que necessitamos educar?

(3) Como fazer?

 

Tem jeito?

Claro que tem! Os tempos são bicudos, as diversidades são enormes, mas é preciso agir. Vou propor uma solução em duas partes: ações de curto e ações de médio/longo prazo.

Antes de começarmos, apenas uma consideração teórica sobre aspectos comuns que alicerçam esse meu artigo a respeito de fraudadores/corruptos/corruptores/subornadores e todos “adjetivos” correlatos:

  • a motivação, que combina uma predisposição e uma oportunidade;
  • a presença de alvos disponíveis;
  • a inexistência de controles internos e/ou externos ou a insuficiência destes;
  • a desorganização social e/ou a perda de valores sociais e morais.

Em um curto prazo a classe política, as instituições públicas e as empresas privadas precisam primeiramente ter vontade, inserirem em seu sangue a cultura da moralidade, honestidade e da ética. Difícil? Alguns podem achar isso impossível, pois o sistema funciona somente dessa forma e ficar fora dessa é não crescer no capitalismo. Mas existe o caminho de fazer a coisa certa e uma série de países e empresas que viviam sob um sistema maléfico como esse deram a volta por cima e sobreviveram.

Este caminho deve primeiramente ter a tolerância zero com relação às pessoas que forem pegas com evidências claras de terem cometido um ilícito. Em uma empresa privada isso fica mais fácil, pois a flexibilidade é maior para se tomar de forma ágil ações punitivas (demissão, demissão por justa causa, processo judicial para recuperação de ativos, etc.).

Conheço diversas empresas privadas que adotam essa prática e o funcionário sabe disso desde o processo de seleção de emprego, passando pela assinatura de seu contrato de trabalho, onde, além disso, recebe cópias de código de ética, políticas de segurança da informação, antifraude e outros, até a palestra de integração, que ocorre em seus primeiros dias de emprego. Nessas empresas o exemplo vem de cima, uma velha máxima que tem um enorme valor. O funcionário sabe que se for pego com a “boca na botija”, com claras evidências, ele sofrerá as consequências que poderá manchar sua carreira para sempre.

Nas instituições públicas a coisa não funciona na agilidade e na eficácia que se deseja como ocorre na empresa privada. Processos percorrem um longo caminho, no máximo o funcionário é afastado de suas funções, quando isso ocorre, o que faz transparecer que a tolerância não chega nem perto do zero.

Com a classe política a coisa piora e muito. Os nobres políticos brasileiros parecem legislar a seu favor e não a favor da sociedade brasileira, e quando há notórias e categóricas evidências de ilícitos cometidos, sabemos com que velocidade a coisa anda e o seu desfecho. O que é uma vergonha!

O que é preciso nessa questão de tolerância zero é retirar todas as possibilidades de subterfúgios existentes e punir ágil e exemplarmente aqueles que são pegos em sua ilicitude, já que Leis para isso existem. Não pode ficar de forma alguma no ar o cheiro de impunidade. Essa tal impunidade é o motor para que outros potenciais criminosos fiquem motivados a fazer, e entramos em um loop, com elevada força centrípeta, que acelera a cada nova notícia de impunidade. Isso é mais do que evidente e os fatos só comprovam.

Ainda em curto prazo, notamos claramente que os domínios de Prevenção, Detecção e Investigação, com processos e implantação de medidas de controle carecem de uma qualidade em sua elaboração, e quiça, quando implantadas, são realizadas sem o rigor e cuidados necessários. Notadamente o domínio Prevenção, que já frisei em outros artigos, não é uma palavra praticada por nossas bandas.

Conforme pode ser visto em diversos casos noticiados pela mídia e fazendo uma engenharia reversa dos acontecimentos, percebemos claramente o quanto que a instituição não fez uma simples lição de casa no que tange à Prevenção. Se quisermos aprofundar um pouco mais, são vários os casos que alguma coisa errada estava acontecendo, o que quer dizer que controles preventivos foram burlados ou não existiam, e que os sinais eram claros para se realizar uma detecção/investigação para que a maionese não desandasse mais do que já estava. Espera-se a materialidade da perda chegar ao topo para fazermos alguma coisa, ou, ser noticiada pelo Jornal Nacional: “…Receita Federal desbarata quadrilha que fraudou 200 milhões de reais da ..!”. É absurdo, para não dizer bizarro! Achamos maravilhosa a notícia, mas os 200 milhões raramente voltam para quem de direito.

Enquanto não investirmos de forma maciça no conceito de Prevenção não melhoraremos a situação. É fundamental a implantação de políticas, processos e medidas de controle eficazes para que se diminua o risco desses ilícitos ocorrerem.

Um procedimento utilizado por países e empresas privadas e públicas em diversos países é a Denúncia Anônima para os ilícitos que estamos tratando nesse artigo. No último relatório da ACFE, mais de 40% dos casos de fraude e outros foram detectados e desbaratados por meio da Denúncia Anônima. Por que tão pouco é aplicado por aqui? Não tenho uma resposta, pois não consegui chegar a uma conclusão das respostas que recebi. Uma pena!

 

Para o médio/longo prazo o maior investimento deve ser na formação do ser humano, já que ele é o elemento causador. É uma solução que parece simples, mas infelizmente não é. A educação de uma pessoa começa em casa, desde cedo, ganha um parceiro ainda na infância, a escola, e tem um terceiro elemento, o relacionamento com as outras pessoas que não são sua família.

 

Tenho que infelizmente falar que a nossa sociedade está doente e todos precisam agir para o bem comum. Criamos uma sociedade que vem há algum tempo privilegiando o TER no lugar do SER, e isso é ruim demais. As consequências não são nada animadoras para as personalidades e caráter mais frágeis. A espiritualidade das pessoas ficou para qualquer outro plano, que não os primeiros. A coisa parece não ter volta…

 

Os ilícitos que vemos a todo o momento são praticados por pessoas que podem agir isoladamente ou por meio de associações com outras. Agem motivadas e/ou pressionadas e racionalizam sua ilicitude, seja porque algo lhe é devido, ou porque precisam fazer o seu pé de meia, já que se não o fizer, além de passar por idiota, outro vem e fará; até porque, usando a fraude como exemplo, ela é interpretada como fruto da corrupção sistêmica do capitalismo. O emprego do “sistêmica” se justifica, nesse caso, em virtude de a corrupção estar espalhada pela economia, em empresas de vários portes, do setor privado ou público. Há latente no sistema econômico, uma oferta e uma demanda pela fraude e outros ilícitos.

 

E como solucionar esse imbróglio? Com sólidos valores morais e éticos, que devem ser ensinados em casa, se possível diariamente e com exemplos práticos que ocorram no dia a dia. Nada de terceirizar esses valores para serem ensinados pela TV ou pela escola. Não se terceiriza o que é estratégico!

 

Essa, a escola, deve inserir em seu conteúdo noções básicas de moral, ética e cidadania. Essa parceria entre casa-escola é a chave para o sucesso de uma nova sociedade. Não existe solução mais barata e eficaz do que essa. Eu fui ensinado e educado dessa forma, e garanto que vocês também o foram. Se o elo fraco dessa corrente é o homem, é imperativo tratá-lo desde cedo.

Enquanto essa revolução não ocorre, o que devem fazer nossas empresas privadas e públicas para selecionar seu pessoal e colocá-lo para dentro de sua casa? Simples, procurar conhecer da forma mais detalhada possível quem é a pessoa sob a ótica do SER, e não somente sob a ótica do VOCÊ SABE FAZER. Privilegiamos de forma demasiada as competências técnicas e profissionais e deixamos literalmente de lado as competências de SER HUMANO e EMOCIONAL do candidato. Isso deve ser realizado com todo rigor antes de abrir as portas da empresa para o potencial candidato.

E o povo para eleger seus políticos? Infelizmente o povo ainda cai na lorota das retóricas e promessas estapafúrdias que a maioria espalha aos quatro cantos. Quando pararmos para avaliarmos o ser humano, sua ética e moral, suas competências emocionais, talvez poderemos quebrar o sistema que aí está. Claro que esse momento virá a acontecer na medida em que a educação que falei anteriormente venha a ser implantada.

 

(2) O que precisamos dizer para aqueles que precisamos educar?

Precisamos dizer que ter moral, ser ético e honesto vale a pena, mesmo que o educando pense que possa ser taxado de otário em um país de espertalhões. Que o certo é fazer o errado para se dar bem o mais rápido possível? Claro que não! É necessário fazer sempre o certo, mesmo que isso custe muito tempo. O caminho importa e muito. Como?

 

Vamos então:

  • O Bem sempre vence o Mal: antigo e verdadeiro. Quem é o Bem e quem é o Mal? O Bem é o moral, o ético, o honesto, o não passar a perna nos outros, na empresa que dá o pão de sua família e que paga os teus carnês. Se existe um Deus, uma energia superior, é universal, é histórico, é estatístico, cedo, ou um pouco mais tarde, o Mal aparece e a pessoa pode passar vergonha, pode sofrer outras consequências nas mais variadas formas. A história é pródiga nesses ensinamentos. Tenho uma base histórica disso. Sempre vale a pena praticar o Bem. Sempre!
  •  Dormir bem é necessário: você já escutou a frase: “coloco a cabeça no travesseiro e durmo como um anjo.” Você acredita que alguém que está sempre na mira de ser descoberto, na iminência de uma denúncia, que vive sempre preocupado pelos quatro cantos, consegue ter uma noite de sono sem um Dormonid do lado? Garanto para você que nem esses caras manjados que aparecem na TV conseguem. O cérebro consome uma boa parte de sua energia para pensar sobre os ilícitos, sobre maneiras de ocultar, de driblar tais pensamentos, etc. Em certo tempo o corpo vem cobrar a conta. Veja quantos que foram pegos, ou ainda estão soltos, tem uma face um tanto envelhecida, para não falar de outras consequências.
  • O que você dirá a sua família e amigos?: todos consideram você um exemplo e de repente, bum, bingo, você é desmascarado e todos agora sabem que você cometeu um ilícito contra sua empresa ou contra a sociedade. E agora, o que fará? Certamente você carregará essa mancha pelo resto de sua vida. Vai querer isso? Sua família vai querer?
  • Vencer os desafios, sem falcatrua: uma das boas coisas da vida não é somente conseguir o que desejamos, o que sonhamos. Melhor é saber que o caminho para se chegar lá foi o caminho de vencer os obstáculos por força própria, com suor, de fazer a coisa certa e ter conquistado seus sonhos Saber que os desafios foram vencidos e os sonhos conquistados sem ter passado a perna em ninguém, sem ter enganado seus chefes, sem furar com a moral e a ética, é o legado que você deixa para os seus e para a sociedade. Certamente seu epitáfio não terá mancha alguma e poderá ser escrito pelo Bem.

 

(3) Como fazer?

Eu tenho algumas estratégias e vou dividir com vocês. Vejamos:

  • Comece pelo mau exemplo que aparece na mídia. Fale, escreva, se comunique com os seus mostrando o que será da vida do camarada dali para frente;
  • De forma contrária, enfatize os bons exemplos que aparecem. O que certamente essas pessoas colherão? Qual será o seu legado?
  • Livros, livros…A leitura de bons livros que ajudem a compor o caráter e a personalidade valem sempre a pena. Entre vários que tenho sobre o tema gostaria de indicar um especial: chama-se o Livro das Virtudes, de William J. Bennett, vol I e II, da Editora Nova Fronteira. Compre para seus filhos, netos, sobrinhos… Garanto que até você irá querer ler.
  • Cobre da escola dos seus um conteúdo que o auxilie na educação e formação. Noções dos temas que tratei aqui nesse artigo devem ser abordadas, se possível, com exemplos do cotidiano.
  • Para as empresas, vale o mesmo recado. Treinamentos periódicos voltados para o SER devem ser incluídos em seus programas. Garanto que todos aprovarão. E não fique com a ideia de que todos sabem de forma clara o que é ser Moral, Ser ético, etc. É um conteúdo que deve ser preparado e repassado em um programa de treinamento.

 

Precisamos cuidar das próximas gerações. Essa sociedade de consumo e de exposição está perdendo o rumo, o trem está fora dos trilhos. É necessário agirmos de forma rápida, para não termos que ficar assistindo a um show de horrores, de péssimos exemplos que está sendo imposto, não mais silenciosamente, mas de forma escandalosa.

 

Que tenhamos força, sabedoria e fé para enfrentar a situação.

 

Até a próxima!

 

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(*) 55 anos, engenheiro, mestre em segurança da informação pela USP. Sócio da ENIGMA Consultoria. Professor da FIA-USP e da ANBIMA. E-mail: mario.ribeiro@enigmaconsultoria.com.br

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