A Negligência é um vício e deve ser evitada!

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(*) Mário Sérgio Ribeiro

O caso recente que ocorreu com o rompimento de parte de uma ciclovia no Rio de Janeiro, por conta de uma forte onda, e que matou duas pessoas e outras duas desaparecidas, voltou a me provocar. O caso de Mariana e outros tantos com maior frequência, como desabamentos por conta de chuvas, trazem a tona uma questão que me atormenta: até quando teremos que suportar a essa situação? Não é possível que conhecendo os riscos, na maioria dos casos com impactos catastróficos, as pessoas não tomem as decisões corretas que, se não evitem, mitiguem o risco de acontecer. Pergunto: até quando essa Negligência?

 

A palavra Negligência tem sua origem na palavra latina negligentia que significa falta de cuidado, de aplicação, de exatidão, descuido, incúria, displicência, desatenção, preguiça, indiferença. A Negligência pode assumir diversas “caras” e entre as mais preocupantes é a displicência, a indiferença diante de um fato com risco potencial.

 

A origem da Negligência está na inércia, isso, aquela mesmo que estudamos nos tempos de colégio. Assim, a Negligência é o estado inercial do nosso corpo, a tendência de se manter estático até que um impulso externo altere seu estado anterior, impulso este que é determinado pela energia da vontade.

 

Uma das muitas facetas da Negligência e que interessa ao contexto que pretendo dar a esse artigo é a falta de compromisso com as coisas, com as decisões importantes que precisam ser tomadas. Diante dos fatos, o negligente trata de qualquer forma, sempre adiando as decisões, deixar por fazer o que tem que ser feito. Como vício, procura desculpas e disfarces. Um dos vários disfarces e dos mais importantes é o fato de alguém justificar que trabalha muito e faz muitas coisas, e isso pode ser uma desculpa de ser não negligente. Trata-se de uma bazofia! Mesmo trabalhando muito, o trabalho pode estar sendo executado de forma negligente, sem compromisso, de qualquer forma, sem preocupação com os resultados, prazos e riscos.

 

Parto do princípio que as pessoas que alcançaram determinado patamar e com a cotidiana obrigação de tomar decisões e, algumas delas, que levam em conta a vida humana ou a continuidade dos negócios da empresa, não podem em hipótese alguma conjugar o verbo Negligenciar. Vou tentar expressar meu raciocínio trazendo diversos eventos com base histórica para elucidar o assunto. Vamos lá:

 

Desastre de Mariana

Há exatos seis meses ocorreu uma das maiores tragédias ambientais do mundo que matou 17 pessoas, acabou com cidades e deixou milhares de desabrigados.

Diversas multas foram aplicadas e acordos foram feitos com a Mineradora Samarco, mas as vidas humanas que se perderam ninguém traz de volta. Nenhuma barragem se rompe sozinha. Acidentes não acontecem, são provocados. Essa é uma atividade que deve haver um constante monitoramento dos riscos, fora uma avaliação periódica, uma vez que os riscos não são estáticos, são dinâmicos. Sete funcionários da Mineradora e mais um de uma consultoria foram indiciados no inquérito da Policia Civil que apontou entre as causas, equipamento de monitoramento com defeito e sem funcionamento. Não é minha tarefa aqui fazer julgamentos, isso cabe à Justiça. Mas os fatos e as evidências são notórios e levam a crer que as ações necessárias para evitar uma tragédia dessa monta não foram tomadas.

 

 Ciclovia no Rio de Janeiro

Recente, há menos de um mês, mais um desastre com mortes. Ainda sob investigação. Entretanto, entre tantas perguntas que devem ser feitas e respondidas, faço duas:

 

-> Houve uma avaliação de risco antes, em tempo de projeto, durante a obra e após a sua conclusão?

-> Ainda em tempo de projeto, foi avaliada a base histórica da altura e força das ondas que batem naquele costão ao longo dos últimos 100 anos, ou, desde que se tenha a medição executada?

 

Provavelmente não, porque se tivesse sido executado as chances da ocorrência de tal acidente seria bem menor. Como a Medicina, um erro na Engenharia pode matar, e não uma pessoa de cada vez. como em um erro médico, mas muitas!

 

Aí ficamos buscando os responsáveis e os culpados. Vemos familiares chorando na TV e nos comovemos. Nesse caso do Rio, o corpo do marido, um engenheiro adepto da corrida de rua e sua esposa chegando correndo pela areia e reconhecendo o corpo do marido estendido ali na areia da praia. Até quando senhores? Até quando?

 

Deslizamentos/Desabamentos/Inundações de Residências em áreas de risco.

São milhares dessas residências que podem ser encontradas em áreas de risco. E claro, vocês irão me dizer, que a maioria não quer sair de lá, dizem que não tem para onde ir, que Deus vai ajudá-la…e, ninguém faz nada!

Segundo as previsões o El Niño encerrou seu ciclo com o verão fora de época em abril e para o final desse ano teremos sua irmã, a El Niña. Pois bem, a irmãzinha é o inverso do irmão; enquanto o irmão vem do esquentamento das águas superficiais do Pacífico, a irmã vem com o esfriamento. As chances de tempestades contínuas e bem violentas são muito grandes.

Não é preciso ser um especialista em risco para prever o que vai acontecer nas áreas mais vulneráveis. Sem bola de cristal, mas diante de tanta negligência de todas as partes, o que posso pensar é que um número nada pequeno de pessoas venha a morrer no final deste ano e começo do ano que vem por conta desses eventos e suas consequências, o que para mim é um verdadeiro absurdo!

O que farão os nobres políticos? Assistir pela TV, contabilizar os mortos mais uma vez e engrossar nossa estatística?

 

Bebida, Morte e Vida prejudicada.

Em minhas aulas de Risco Operacional ou em minhas palestras sempre toco nesse assunto, até porque sempre tem jovens presentes. A questão é: vai ao barzinho, toma umas biritas, pega o carro e … pode fazer o estrago e prejudicar a sua vida e a de outros.

Essa história pode ser contada uma dezena de vezes com um sem número de casos espalhados pelo país e mesmo assim toda semana tem uma. O que acontece é que quem age dessa forma não conhece as nuances do risco. Aposta em inúmeras falácias que descrevo a seguir:

-> Nunca ocorreu e não vai ser hoje que vai ocorrer;

-> Não vai ser uma garrafa de Uísque que vai me derrubar;

-> Vou dirigir devagar e por avenidas largas e bem iluminadas.

A questão central é: o fato de nunca ter ocorrido não quer dizer que não possa ocorrer exatamente naquele dia em que você pode até ter tomado quase nada. O problema é que a chance de ocorrência (probabilidade) não pode ser considerada rara ou perto de zero, ou até zero, que o motorista erradamente pressupõe. A estatística mostra que as chances não são nada desprezíveis e deve, como primeiro aspecto, ser levada em conta.

Segundo, qual a consequência se a probabilidade se manifestar? Podem ser inúmeras, vejamos três delas:

 

-> Bater em outro carro, ferindo ou matando os ocupantes dele e de seu carro;

-> Bater em um poste, morrendo o motorista e possível ocupantes do carro;

-> Atropelar um ou mais pedestres, ferindo ou matando os inocentes.

 

Não acreditar nessas possibilidades, antes de ser imprudente e negligente, o camarada é no mínimo um bossal! Um ser adulto e pensante ignorar algo que até uma criança pode descrever, merece ser internado por outros motivos.

A possibilidade de impactos desastrosos como esses são plenamente factíveis. Se o camarada não acredita em tudo o que eu falei, então pensa que o risco tem “um quê” de acaso, isso mesmo, o acaso. Imagina a situação:

Venho eu no carro, saí do barzinho às 5:30 da manhã, tomei mais do que o suficiente para estar fora da Lei e ao virar a esquina “encontro” com um gari que acaba de pegar no emprego, varrendo a calçada perto da sarjeta. Atropelo e mato o sujeito. É meu azar? Quando eu iria imaginar que alguém estaria ali varrendo a rua às 5:30?

 

Esse tal de Acaso é um componente oculto do risco. Essa pode ser uma questão que podemos querer justificar pelo destino, por alguma religião, enfim, por uma série de possibilidades, mas eu prefiro dizer que o Acaso é o cara que pode tornar o jogo diferente e não se pode desprezá-lo. Ele sozinho caberia em um artigo inteiro.

 

Então, nesse caso, como conclusão vai um conselho a quem me lê: EVITE o risco sempre que puder, uma das formas que temos de resposta, e não dê sopa para o Acaso. Vai de táxi (não é a música), peça para quem não bebeu dirigir e não seja irresponsável e negligente!

 

Inexistência de Plano de Recuperação de Desastre nas empresas

Muitas empresas não têm um plano estruturado para desastres ou interrupções que possam afetar seus negócios. Se considerarmos ser uma negligência de seus dirigentes algo um pouco demais nesse caso, só podemos pensar que a não existência de tal plano ocorra por falta de informações mais detalhadas para o risco que estão assumindo.

 

Em uma visão brasileira, a grande maioria das empresas que estruturam um plano desses o fez por uma questão de compliance, notadamente aquelas fiscalizadas pelo Banco Central e SUSEP (Seguros). Outra parte, minoria, por conta de demanda de auditoria externa (da matriz) ou não. A minoria por uma visão clara de prevenção ao risco.

Como falei, quero acreditar que quem não o faz deve ser por conta da falta de informações detalhadas sobre o risco assumido e não por negligência. O fato é que um plano desse é parte integrante da gestão do risco e tem como principal objetivo a preservação da empresa e de seus objetivos de negócios; portanto, é de responsabilidade da Alta Administração da empresa, e não da área A ou B.

A falta de informações mais detalhadas, conforme salientei como justificativa, pode ser evidenciada em algumas falas que acreditam que impactos catastróficos, daqueles que possam interromper para sempre ou durante um tempo não suportável as operações de sua empresa, acontece por conta de eventos que tenham uma chance remotíssima de ocorrência. A questão é: se esses eventos ocorrerem o negócio acaba!

E se eu disser que alguns desses eventos que se acredita terem uma chance remota não são tão remotos assim, e se trata de mais uma das muitas falácias existentes. Por exemplo, um incêndio de média proporção. Um incêndio tem inúmeras causas, inúmeras variáveis e não controles suficientes que mitiguem o risco para todas elas, portanto, as chances não são remotas como parece ser.

E claro, vamos colocar o Acaso aqui também. Início de 2012, Centro do Rio de Janeiro. Quando que as empresas que estavam instaladas ao redor do edifício que desabou perto do teatro municipal, imaginavam que uma obra de reforma poderia fazer com que o prédio viesse abaixo e que as dezenas de empresas instaladas em edifícios circunvizinhos ficassem sem poder operar por conta que cinco quarteirões foram interditados pela Defesa Civil? Consequência: não se podia entrar no prédio para trabalhar.

Dá para prever isso? Claro que não! Como não temos bola de cristal, atuamos preventivamente contra o risco e todos os seus elementos, inclusive os ocultos.

 

Como comentário final gostaria de deixar uma mensagem. Carrego comigo o pensamento de sempre que pudemos entender que negligenciar fatos, evidências e riscos podem ser algo danoso para nossas vidas e de nossas empresas. Como falei a negligência é um vício e deve ser a todo custo evitada. As consequências dessa atitude podem trazer graves impactos para a vida do negligente e daqueles que depende de suas ações. Portanto, como sendo um vício deve-se procurar eliminá-lo o mais breve possível. Fica o recado!

 

Até a próxima!

 

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(*) 56 anos, engenheiro, mestre em segurança da informação pela USP. Sócio da ENIGMA Consultoria. Professor da FIA-USP e da ANBIMA. E-mail: mario.ribeiro@enigmaconsultoria.com.br

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