2015: um ano para não esquecer. 2016: um ano de esperança!

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(*) Mário Sérgio Ribeiro

O ano de 2015 se aproxima do seu final e deixa um legado imenso de apreensão, mas também de aprendizagem. Os noticiários diuturnamente trouxeram incontáveis casos de corrupção, fraudes, subornos em um tour pelo código penal nunca antes visto nesse País. Aliado a isso, também nunca vi tanta negligência ao risco como nesse ano. Perplexidade? Frustração? Um pouco de tudo, mas também aprendizagem, amadurecimento… O que poderia nos trazer a esperança de volta nesse 2016?

É certo que vivemos um momento delicado em nosso país. A corrupção na política e em organismos públicos assola nossa imagem, fazendo com que muitos de nós, cidadãos brasileiros, nos sintamos ultrajados e, como muito vi em diversas redes sociais, a manifestação de se sentir envergonhado de ser brasileiro. Isso não pode ocorrer!

O ano de 2015 mostrou que temos um sistema político contaminado pelo toma lá dá cá, muitos dizem que isso é política, mas será? Não há qualquer preocupação para com a população, com as consequências dos atos e arranjos acordados. Conflito de interesse, tráfico de influência, entre outros correlatos, que em países com leis claras e onde são cumpridas com rigor certamente coloca esses camaradas atrás das grades, aqui é tratado como uma prática absolutamente normal. Como dizem esses malfeitores: isso é política!!

O combate à fraude, corrupção e ilícitos correlatos, como já citei em outros artigos, tem que começar com o propósito concreto de ser implacável com aqueles que cometem tais ilícitos, aonde o exemplo vem do andar de cima; antigo ditado, mas absolutamente correto. Não adianta o cara do andar de cima apregoar que sua empresa, entidade é ética, moral e que não permitirá qualquer desvio de conduta, que tem uma política que determina duras sanções, blabla.. se o próprio e seus próximos são os primeiros a descumprir o dito que os mesmos aprovaram. Isso não dá certo em nenhum lugar! O exemplo fornecido facilita a racionalização de quem abaixo esteja “na vontade” de fazê-lo. Cressey em sua teoria do triângulo já tratou sobre isso.

Esses ilícitos na Política trazem consequências sérias para a população. Infelizmente, diferente de entidades privadas, nossos políticos não tem patrão, pelo menos até a próxima eleição. Fazem e desfazem em proveito próprio e nosso sistema permite apenas que assistamos seus pernósticos atos. E o pior dessa história: sempre os mais pobres é quem pagam o pato!

E o que podemos dizer de várias de nossas empresas públicas? É triste, mas uma boa parte delas virou um cabide de emprego de partidos políticos com seus inúmeros conchavos. Uma pausa rápida aqui. Fiquei abismado com o número de partidos políticos registrados no país: 35! (Fonte: site do TSE). Pois bem, aquele bom funcionário que passou em um concurso público, que tem uma carreira formada ou em formação, tem que aturar de tempo em tempo um cupinxa do partido que está no poder como seu superior e claro, ganhando bem mais (os famosos cargos comissionados).

Aqui nos parece que uma parte das empresas públicas é uma terra sem dono, sem gestão, fruto desse apadrinhamento, desse sistema perverso de nomeação que eles próprios se permitiram. Exemplos não faltaram em 2015, onde claro, o mais famoso (infelizmente) é o da Petrobras, nossa maior empresa estatal.

 

E isso pode vir a trazer um problema ainda maior. Usando Cressey mais uma vez, funcionários até então honestos que estejam com alguma pressão e/ou mesmo motivado, veem, escutam pela rádio peão ou tem alguma evidência de que ilícitos possam estar sendo cometidos por apadrinhados e semelhantes, podem racionalizar que também tenham “direito” e bingo, está instalado o câncer, que se espalha rapidamente por todos os órgãos. Se ele pode, por que eu não?

 

As empresas privadas também não ficaram isentas em 2015. É, aqui temos empresas nacionais e multinacionais envolvidas em diversos escândalos,  sozinhas ou em conluios com funcionários de empresas públicas. A diferença da empresa privada dentro do contexto no qual estamos avaliando é que ela pode e deve agir de forma rápida, em ações que tentem recuperar sua marca. Trocam pessoas, mudam processos, pagam indenizações…tentam extirpar o mal rapidamente, caso contrário, certamente sucumbem. Por essa e por outra na maioria dos casos sua gestão de risco e seus processos de controles preventivos e detectivos são bem mais eficazes e rápidos. Os donos são conhecidos e próximos. As estruturas estão cada vez mais enxutas, proporcionando decisões mais rápidas. Ainda assim, também sofrem com tais ilícitos.

 

Já falei mais de uma vez que esses ilícitos devem ser combatidos com o tripé de domínios: Prevenção, Detecção e Investigação. Não podemos ficar o tempo todo correndo atrás do rabo, como costumo dizer, isto é, fazer a maioria das investigações para consumar as perdas financeiras e não financeiras. Prevenir é o remédio, mas na maioria dos casos os gestores não o fazem, pois não acreditam na chance de ocorrência, negligenciando totalmente o risco conhecido.

 

Muitos acreditam que Leis mais severas é a solução. Isso, em parte é verdadeiro. Leis severas entram no rol de controles de dissuasão, assim como políticas e códigos de conduta, mas para nosso País ainda é pouco. As brechas e os diversos subterfúgios encontrados em nossos códigos e leis podem jogar ladeira abaixo essa solução, que é conhecida de antemão por quem tem a intenção do cometimento.

 

Outro fato que marcou de forma contundente nesse 2015 foi a negligência com relação a riscos conhecidos, onde o exemplo mais dramático foi com o desastre das barragens em Mariana, MG.

 

Já falei mais de uma dezena de vezes que a disciplina do Risco deveria ser ensinada na escola, a partir do ensino médio, no grau que antigamente chamávamos de colegial/científico. Certamente evitaríamos muitos problemas com um processo educacional no tempo certo. Eu sei, vocês devem estar pensando, caramba, não se ensina e/ou aprendem o mínimo corretamente em disciplinas básicas como português e matemática, falar de risco, hummmm. É, eu sei, mas aí é um outro contexto. Só sei que pode ajudar e muito!

 

Vejamos: quantas pessoas morreram em 2015 vítimas de atropelamentos ou semelhantes por conta de um motorista alcoolizado? Apesar de não existir uma estatística centralizada abrangendo todo o país, há alguns números regionais e pela nossa percepção vendo os noticiários temos uma grave situação, com casos em que em um único evento, quatro, cinco pessoas morrem ao esperarem um ônibus.

 

Este é um caso clássico de assunção do risco que só se modifica por um longo processo de conscientização e educação. A Câmara dos Deputados aumentou a pena para mais de 20 anos para quem cometer um crime desses. Adianta?

 

Aqui é o mesmo problema que comentei acima, ajuda, mas em parte. A questão é que as autoridades devem entende como funciona a cabeça de um agente de ameaça desses e atuar. É uma somatória de erros. A pessoa acredita que está bem para dirigir, acredita na ideia de que até aquele instante nunca ocorreu qualquer evento danoso e racionaliza que será mais um em que nada ocorrerá, portanto, coloca a probabilidade em zero;por último, também acredita que o acaso não ocorre (alguém atravessa em sua frente de repente e …). Infelizmente é assim, acontece e há como mudar. Esse agente de ameaça precisa perceber os impactos que pode proporcionar aos outros e em sua vida, a despeito dos já citados subterfúgios que nossa lei permite. Se ele não respeita a vida dos outros, pelo menos respeite a sua, pois pode perder sua liberdade por um bom tempo enterrando diversos sonhos e carregando um fardo pelo resto da vida.

 

Outra categoria de eventos que é possível mitigar sua ocorrência são os incêndios, desabamentos e desmoronamentos ocorridos em 2015. Temos a falsa ideia de que a maioria ou a totalidade desses eventos são puro acidente ou obra do destino. Certo que não é. Peguemos alguns exemplos.

 

Em abril desse ano 12 pessoas morreram em Salvador vitima de desabamentos de diversas residências provocadas por fortes chuvas, que superaram em apenas 6% a média histórica para o período. Analisemos os fatos.

A ameaça, chuva, sabemos pela estatística sua provável frequência. Com modelos climáticos cada vez mais precisos, temos uma previsão de como poderá ser o regime de chuva para o curto, médio e longo prazo. Para ilustrar, já há alguns meses sabemos que o El Nino esse ano atingirá com fortes chuvas a região sul e sudeste.

Voltando. Se eu sei como a ameaça poderá se comportar, tenho que saber minhas vulnerabilidades e mitigar ou evitar o risco, nesse caso, com impacto de vidas.

Mitigo com obras de contenção trazendo o risco para o patamar mais baixo possível, ou evito esse risco, retirando as pessoas antecipadamente dessas áreas de risco. Simples? Claro, simples assim! Mas porque nem uma coisa e nem outra é realizada e temos que assistir a essas mazelas pela TV? Quantas mais veremos nesse final de ano e início de 2016 com as chuvas que se aproximam?

 

Pegamos outro evento, Incêndio.  Exceção àqueles provocados direta ou indiretamente por algum agente da natureza, as causas de incêndio em instalações podem ser intencionais ou não intencionais. As intencionais são aquelas provocadas pelo ser humano com intuitos diversos. Os nãos intencionais, ou são provocados pelo ser humano por um erro não intencional e/ou por alguma vulnerabilidade nas instalações elétricas e correlatas.

Na semana passada ocorreu um incêndio no fantástico Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. De doer o coração. Infelizmente tivemos um bombeiro que morreu, mas poderia ter sido pior se não tivesse a rápida e astuta atuação do Corpo de Bombeiros. Segundo o comandante da operação, coronel Wagner Bertolini, se o fogo tomasse a torre da Estação da Luz, aquela com o relógio, a tragédia seria monumental: o campanário poderia desmoronar na direção das pessoas no Parque da Luz ou da CPTM. Quem mora em São Paulo como eu conhece o lugar: dezenas de pessoas poderiam vir a falecer.

A causa do incêndio ainda não se sabe. Foi levantada uma hipótese de curto-circuito provocado por uma luminária, mas sem a devida perícia. Mas algo chama atenção aqui. O Museu não possuía o famoso AVCB (Alvará de Vistoria do Corpo de Bombeiros), documento onde atesta as condições de uso pelo Corpo de Bombeiros. Desde 2006 o endereço estava em processo para obter o alvará de funcionamento. Segundo o coronel, de tempos em tempos eles solicitavam o Corpo de Bombeiros, era feita uma vistoria e apontado o que ainda faltava. Uma pergunta: quantos prédios públicos encontram-se nessa situação, como do Museu incendiado? Quantos riscos assumidos existem por aí?

 

Deixei por último o caso de Mariana. 62 milhões de metros cúbicos de lama, 16 pessoas mortas, o povoado de Bento Rodrigues arrasado em 11 minutos, 11 espécies de peixe extintas, e por aí vai. Evidências até agora levantadas pela perícia dão conta simplesmente de um grave caso de negligência ao risco em prol do lucro, isso mesmo, do dinheiro. Por ter conhecimento do risco de ruptura da barragem e não ter mitigado o risco, a Samarco responderá a uma ação judicial de 20 bilhões de reais.

O problema aqui não é de impacto financeiro, ou de sucumbência de uma empresa, é a morte de pessoas, a destruição de uma cidade e de todo um ecossistema. Não consigo acreditar em tamanho descaso!

 

Mais uma vez um caso descabido de assunção do risco. OK, enquanto se assume risco de impactos financeiros em empresas, tudo bem, trata-se apenas de dinheiro ou em hipótese pior, um evento catastrófico, da provável descontinuidade da empresa se não tiver contingenciamento. Mas aqui não, o risco assumido pode provocar mortes de pessoas, de um ecossistema com outros seres vivos. A barragem de rejeito em uso era a mais barata, a fiscalização era do jeito brasileiro e o negócio era obter o maior lucro, lógico na conta de mais e menos, a coluna de despesas deve ser sempre a menor possível.

Aprenderemos a lição?

 

2016 está a caminho e vejo as pessoas um tanto pessimistas, reticentes, mais duras, mas bem mais amadurecidas para uma série de fatos. Os impactos que sofremos nos fortalece, nos torna mais maduros, nos torna prontos a não errar novamente e trazermos sempre de volta para luta.

 

A fraude e seus “primos” correlatos que aqui comentei não se acabam do dia para a noite, assim como a negligência a riscos gravíssimos. São pessoas que cometem esses ilícitos e elas precisam ser punidas, mas também precisam ser melhoradas. Sabemos que essa melhora começa em casa desde cedo, com os pais. Por força de uma sociedade que não sabe exatamente para onde está querendo ir, a maioria dos pais terceiriza a educação de seus filhos, o que no meu entender é lamentável.

 

Essa educação em casa deve encontrar como parceiros um sistema educacional de qualidade, não só na transmissão de conhecimento, mas, sobretudo de valores; uma mídia escrita, falada e televisa de qualidade      que exemplifique e dê notoriedade ao que pode auxiliar a (re)construir uma nação.

 

Precisamos de uma revolução nos padrões comportamentais e de valores hoje presentes, disso eu não tenho dúvida. Não é possível se propagandear e dar mais importância a valores que sabemos de antemão levarão nossa sociedade a um caos. Essa revolução começa pela pratica de cada um daqueles que acreditam na ideia da boa educação e das praticas dos valores para uma sociedade mais ética e justa. Todos, sem exceção, têm o seu quinhão de participação nessa luta. Temos um longo caminho, mas precisamos acreditar na responsabilidade de cada um de nós. Eu tento fazer meu papel até onde posso, usando meus artigos, minhas aulas, palestras, consultoria. Onde puder, faço e não fico em cima do muro.

 

Espero que todos tenham um 2016 de esperança e que ela se torne realidade, fruto de nosso trabalho diário. Que assim possa ser!

 

Até a próxima!

 

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(*) 56 anos, engenheiro, mestre em segurança da informação pela USP. Sócio da ENIGMA Consultoria. Professor da FIA-USP e da ANBIMA. E-mail: mario.ribeiro@enigmaconsultoria.com.br

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